quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Função ausente


Na Cidade Antiga (Grécia), em face do sistema calcado na religião familiar, presumia-se que a lei era feita para durar eternamente. Porém, com o passar do tempo, perceberam eles que a lei deveria mudar eventualmente, estabelecendo inicialmente o prazo de 100 anos de perpetuação.
Chegou-se assim, passando por Roma, sistema feudal, e Idade Média, ao sistema democrático republicano, onde impera os freios e contra-pesos, e a busca do bem comum – estado constitucional.
Neste sistema a Constituição nada mais é do que o Diploma onde se prevêem e se estabelecem os direitos e garantias fundamentais. Ou seja, diz até onde o ‘Rei’ (Rei é representado pelas três funções do Estado – executivo, legislativo e judiciário) pode abocanhar o cidadão. E a lei fundamental também deve ser programática, ou seja, deve dizer o tipo de Estado almejado pelo povo, o Estado que se quer ter no futuro.
A lei ordinária inferior, de regra, prevê os direitos das áreas não fundamentais, mas que regulamentam grandes ramos do direito: cível, comercial, penal etc. Em que pese tudo também subsumido às diretrizes estabelecidas pela CF.
Assim, o Estado que se tem depende das leis vigentes, mas depende muito mais da interpretação e do uso que se faz delas. No sistema Republicano o grande interprete das leis é a função judiciária (vulgarmente conhecido por Poder Judiciário).
Porém, no caso Brasileiro, o que se tem visto é um constante freio no avanço social, não por falta de legislação ou interesse do Estado em alcançar o avanço social, mas especialmente pelo conservadorismo do Poder Judiciário, que tem andado atrasado em muito com as leis e o Estado buscado pelo Brasil.
Humberto Theodoro Jr ensina que se pode ter a melhor lei do mundo, mas se não houver interesse (interesse dos Juízes e julgadores), ela não vigerá (cita exemplo da lei executiva de Portugal – em Processo Executivo e Cumprimento de Sentença). No Brasil a situação se repete. Situações sociais de lesão em massa são tratadas pelo Judiciário com extrema brandura e até incompreensível complacência.
Exemplos veementes são os casos de descumprimento da lei e o total descumprimento das normas reguladoras pelas operadoras de telefonia. Nestes casos os tribunais têm imposto indenizações miseráveis, em valores de R$ 500,00 a 10.000,00 (raríssimas exceções de valores maiores). Essas indenizações demonstram o quanto à visão dos julgadores está encoberta, o quanto é retrógrada. E pior, demonstra não conseguir ver um flagelo gritante que ocorre na sociedade, estando “de frente para o mar, e de costas para o Brasil”, como escreveram Milton Nascimento e Fernando Brant.
Não se pode esquecer que as empresas de telefonia têm milhões de assinantes somente no RS, exemplo a OI possui 53 milhões de usuários no Brasil. E pretende chegar a 110 milhões. Se eles cobrarem ilegalmente cinqüenta centavos (R$ 0,50) de cada conta, receberão R$ 26,5 milhões mensais.
Ora, se qualquer cidadão brasileiro ingressar no judiciário para repetir (cobrar) esses R$ 0,50, além do olhar negativo e repreensivo do Juízo, por estar demandando por miséria, ainda a ação durará meses, ou anos, e no final receberá os R$ 0,50 em dobro (1 real) e uma indenização de R$ 500,00 a 10,000,00.
Porém, quantos ingressarão, talvez 100 heróicos crentes no estado de direito, se muitos. Transformando isso em números, a empresa cobrando 50 centavos de cada conta receberá, em um mês, a importância de R$ 26.500.000,00. E pagará de indenização total a todos, após um ano ou mais, a importância otimista de R$ 500.000,00.
Portanto, o retrocesso nos direitos e as lesões em massa sofridas pelo povo brasileiro têm basicamente um culpado principal, o Judiciário, ao ver e aplicar o direito com visão tacanha e retrógrada.
Confirma-se isso ao constatar que os Órgãos Executivos punem as empresas com multas de milhões, enquanto o judiciário, que deveria ser a última salvaguarda do cidadão (quando o cidadão recorresse ao Judiciário a empresa deveria tremer), arbitra multas irrisórias e miseráveis e que, ao fim e ao cabo, produzem lucro as empresas infratoras. Desta forma o infrator sempre continuará a delinqüir, pois sua delinqüência produz grandes lucros, graças à visão adotada pelos Julgadores.
Assim, concluo, a grande mazela nacional está no fato de o Judiciário não estar cumprindo com sua função primordial, que é o avanço social e a proteção do cidadão, especialmente a repressão eficiente da lesão, e muito mais da lesão de massa, produzida por grandes empresas ou o próprio Estado.

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