quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O choro dos ratos


Com peculiar síntese, Alexandre Garcia foi enfático ao dizer que: “O legislativo é o mais transparente dos poderes”.
Em analisando o Estado que vem se formatando a olhos vistos, rendo-me a essa citação como essência da verdade.
Vejamos um exemplo atual: a extinção dos cargos de chefia (Escrivão, Distribuidor, Contador e Oficial Ajudante).
Essas funções são garantia do indivíduo (cidadão) no Estado de Direito. O Servidor deve exercer a função com autonomia e independência – como princípio constitucional. Uma função de chefia sem vassalagem, ou seja, sem correr o risco de perder a função de chefia se deixar de atender à vontade externa à sua função. E quem desempenha essa função sabe que esse ataque é quase rotina. Eu já perdi as contas de quantas vezes sofri esse tipo de pressão (uma ordem ilegal ou arbitrária), sem ceder. Imaginem o que aconteceria se minha função de chefia fosse precária, a perderia imediatamente, quando então venceria a inconstitucionalidade, além do abuso e da arbitrariedade em prejuízo do serviço público.
Outra mácula que doe ao sentido de Estado Moderno Constitucional é de que a extinção dos cargos e funções está sendo manejada ou proposta pelos maiores interessados em sua extinção (os Magistrados), em interesse próprio, pois essas funções de independentes passará a ser servil a quem as extingue, aos Magistrados. Deixará essa função de ser uma garantia do indivíduo (cidadão) de um servidor independente, autônomo, que desempenhará sua função sem subordinação externa.
Outra falácia que salta aos olhos é a alegação de que os servidores ao serem removidos (os que tratam do projeto falam em “transferidos”) muitas vezes acabam em áreas diferentes das que atual (cível, crime, JIJ), tendo que aprender esse novo ofício, enquanto há servidores no cartório que sabem mais que o chefe removido.
Ora, isso cabe a todos os servidores públicos em todas as áreas, entre os quais estão os Magistrados, que também são removidos ou promovidos para jurisdições das quais não têm nenhuma afinidade com a área.
Mas o mais triste de tudo é ver colegas vinculados a funções no Tribunal de Justiça que pregam essas medidas. Com certeza não acreditam mais que voltarão aos cartórios, e que se aposentarão nessas funções outras. Neste sentido lembro uma frase de Raimundo Faoro, em plena ditadura: “Suspeito o choro dos ratos no enterro do gato”.
A funcionabilidade do serviço público, desde a lei da desburocratização, segue o princípio da desconcentração. Isso foi adotado na CF/88, que ao sentir o dano que produziu anos de cargos zoneados,  dados a apadrinhados dos “donos do poder”, tentou moralizar a administração pública com a exigência do concurso público para cargos e funções.
Assim só haveriam servidores comprometidos com as diretrizes da  legalidade, com autonomia e estabilidade em suas funções; comprometidos com a coisa publica, e não com os Donos do Poder. Não se dobrariam ante a ilegalidade ou arbitrariedade. A CF impôs, assim, perda para os “donos do poder” (que passaram a ser simples empregados do povo, agentes públicos), impedindo-os de dirigir o serviço público a seu bel prazer. Atualmente os que querem quebrar esse sistema usam o chavão: “servidores não comprometidos com as diretrizes da Administração”.
Essa é a intenção atual de terminar com os Cargos de Escrivão até Oficial Ajudante. Mas, analisemos, o que isso produzirá?
No âmbito do cidadão, um servidor sem autonomia ou independência, com subserviência à influência externa – será o tipo de servidor que a Constituição Federal terminou.
No âmbito interno, uma guerra entre servidores para conseguir alguma vantagem, com subordinação irrestrita e vergonhosa ao Dono da Função, que será o Magistrado. Quem não se submeter a essa situação, por mais competente ou preparado que seja, acabará afastado do sistema ou transferido.
Será o fim do serviço harmonioso, da garantia constitucional de autonomia, respeito e independência.
Será, também, o fim do Sindicato e da luta por direitos, pois cada direito conquistado pelos servidores refletirá diretamente no caixa dos Magistrados - o caixa é único –, e os Magistrados tudo farão, como já fizeram em outras épocas, para isso impedir e punir os servidores que forem os lideres entre os Servidores. Esse fato não é novo no Judiciário Gaúcho, mas será acentuado a partir do novo sistema que pretende adotar o TJ.
Portanto é absolutamente premente a luta da categoria contra esta proposta de extinção dos cargos, pois produzirá profunda degradação das condições de trabalho dos Servidores do Judiciário Gaúcho.
Assim, até os servidores que pensam ganhar com esse projeto perderão, ao longo do tempo, com a ausência de reajustes e degradação das condições de trabalho.

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